Concebe seu dia no leito. Cabelos revoltos do embate noturno, hálito trocado com seu amante, celular desligado de interferências, mas receptivo e carregado para outras notícias, despertador travado à tempo, cadelinha lambendo seus pés e marido ao banho. Desliga-se dos sonhos, se espreguiça, tira suas meias de inverno, sua camiseta à mantém quentinha pra ler suas anotações de cabeceira, colocar os chinelos, vestir roupão de banho, caminhar ao banheiro, levar virtuais respostas às dúvidas acessíveis em seu celular. Escova seus dentes alvos e seus cabelos pretos, com olhares trocados no espelho, onde se vê - sem enxergar-se, ao volante em seu caminho diário. Serve o café, pra outro deleite, com outros olhares.
Nasce seu dia à janela. Cortina já presa por suas delicadas mãos, deixa avistar o asfalto, preto - como seus cabelos, o verde do jardim - de seus olhos, o cinza do céu - de sua calcinha, a água da chuva - de sua saliva, vento na vidraça com o frescor de seu hálito, pássaro silente na árvore, como sua voz e do jornal na marquise com ideias como em sua cabeça, cadelinha ouvindo a ração na tigela após alguns poucos passos - tudo tilinta em compasso arrastado. Reflete o branco da parede o vidro daquela janela.
Paz também no dia à rua. Carro na garagem sob o toldo, com portão preso por vasos postos em prontidão matinal, pneus secos em meia banda, e já molhados em outra, movimento que denota o cocô dos ratos no pátio, com eles desde o bueiro até os canais de Saturnino de Brito que os protege da gente, e esta de água empossada. Vidro da janela molhado pelo vento úmido, evita voo rasante de pássaro que ali se estatele.
Renasce na noite à cama. Banho tomado, roupão largado, corpo alimentado, com olhos sagazes e a cadelinha já acarinhada, beijos são trocados, afagos acolhidos, murmúrios escutados, ela serve-se no acolhimento da alcova, com janela às escuras. Sobe aos céus em sonho.
rrr./
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